Ministra Eliana Calmon Alves

Ministra Eliana Calmon Alves



Em 1974, foi aprovada no concurso público para o cargo de procuradora da República pelo estado de Pernambuco. Em 1976, foi promovida para a Sub procuradoria Geral da República.

Tornou-se juíza federal após aprovação em concurso público em 1979 e atuou no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia entre 1983 e 1984, sendo promovida ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em 1989.

Em 30 junho de 1999, assumiu vaga como ministra do STJ pelo terço da magistratura, tornando-se a primeira mulher a ocupar um posto neste tribunal. Foi corregedora nacional de justiça e diretora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo (Enfam), entidade vinculada ao STJ que capacita juízes em todo o país. 

Primeira mulher a ocupar uma cadeira no STJ, se destacou-se pela sua atuação firme e pela alta produção, tendo superado cem mil processos julgados, entre decisões monocráticas e levadas a sessão de julgamento.

É cidadã honorária de diversos municípios e estados brasileiros, como a Paraíba e Sergipe. Também é cidadã honorária de Macapá (AP) e São Carlos (SP). Ela foi eleita pela revista Forbes a mulher mais influente do Brasil no segmento judiciário em 2005 e “A Mulher do Ano”, em 2006, pelo International Women´s Club da Bahia.

Eliana Calmon aposentou-se em 18 de dezembro de 2013.


Como foi trocar a toga de magistrada para vestir a beca dos advogados?


Quando me inscrevi na OAB, muita gente soube e começaram a me procurar, principalmente as pessoas de são Paulo, onde sou mais conhecida. Inclusive devido a minha atuação como juíza ligada, inclusive, com a Polícia Federal muitas pessoas conseguem o meu telefone e meu endereço com a polícia.

Como foi uma coisa assim sem pensar, aconteceu de uma forma muito natural, não houve um planejamento e eu fui crescendo na medida em que foi chegando os clientes, não tinha nenhuma ambição. Eu queria fazer uma advocacia de resultado, se tivesse resultado pagava se não tivesse não pagava, mas os advogados que estão comigo, novos que precisam fazer as suas vidas, não gostaram muito dessa ideia e me falaram que isso não existia em nenhum lugar do mundo.

É que às vezes chega uma pessoa tão machucada e com uma perda de patrimônio tão grande, sendo que no mundo jurídico é impossível dar uma certeza de êxito, eu me sinto mal em pegar dinheiro, esfolar o pobre coitado. Logicamente sei que temos despesas, processos geralmente são longos e exigem muito trabalho. Eu cobro, mas tento ser justa.

Atualmente, atuo na parte administrativa e tributária. Estou com um escritório bem pequeno aqui em Brasília, mas como o Ministro Ayres Britto me falou, é muito difícil ficar pequeno. Estou me preparando para ter um escritório maior porque está dando muito certo a advocacia.


A senhora se via em outra profissão quando juíza? Como foi sua experiência na política?


Eu nunca pensei estar fora da justiça, o problema é que quando voltei do CNJ e me reinstalei no STJ, eu estava completamente desiludida, não acreditava mais no que estava fazendo. Era como se fosse um grão de areia em um universo que estava todo atrapalhado. Eu não queria mais ficar lá, trabalhava muito, tinha muita responsabilidade e não sentia recompensa pessoal. Percebi que estava na hora de me aposentar.

Em 2013 eu fiquei sendo assediada pelos políticos, principalmente, o PPS e PTB. Alguns queriam que eu me candidatasse pelo DF, mas eu achei meio esquisito, eu vim para Brasília a trabalho, as minhas origens estavam na Bahia. Sabia que era muito difícil ganhar na Bahia, porque lá é reduto de PT, além de ser uma cidade muito grande, com muitos municípios e, geralmente, eles ficam do lado de quem está no poder. Dificilmente há alternância. 

Eduardo Campos e Marina Silva acabaram me seduzindo. Eu achava os partidos muito corrompidos, mas fiquei maravilhosa com a conversa de Eduardo. Já havia trabalhado com ele, quando governador me pediu auxílio para combater o crime organizado próximo de Jaboatão dos Guararapes, ele era uma pessoa incrível. Já sabia que não iríamos ganhar as eleições de 2014, mas acreditava que poderíamos criar uma terceira via para 2018 e acabarmos com essa história de PT e PSDB de cada lado e MDB no meio. 

Eu achei bem razoável o que eles propunham e fui para o PSB. Era um partido que havia surgido na Bahia, tinha uma boa incursão, era de centro e gostei das propostas. 

Fiquei encantada com as posições éticas de Marina e suas ideias sobre sustentabilidade. Porém, infelizmente, Eduardo morreu no meio do caminho, mas se não tivesse morrido poderia estar na cadeia por conta das Obras da refinaria Abreu e Lima, quem vai saber. 

Já Marina derreteu ao primeiro chacoalhão do PT. Eu gosto dela, tornei-me sua amiga, saí do PSB e fiquei na Rede, porque ela pediu, mas não para me candidatar.

As coisas são complicadíssimas. Quem está na política sabe exatamente quem vai ganhar e quem vai perder. Já sabemos quem vai se candidatar para perder. Isso gera um desgaste muito grande, fazendo coisas que não gostamos muito, problemas de consciência, problemas éticos que permeiam a vida política. 

Se eu tivesse trinta anos eu enfrentaria, mas com setenta e três eu não enfrento mais, pois sei que não irei ver o resultado de tudo isso. Minha cidadania ficará nas minhas palestras, nas minhas falas, mas não como política.


Agora como advogada, a senhora sente uma maior liberdade para emitir suas opiniões?


Sim, muito mais. Eu não sentia uma repressão, mas não queria desagradar e me incompatibilizar com algumas pessoas das quais tinha consideração. Não há tantos infiéis no judiciário. Só não gostava do silêncio de quem é sério. As pessoas sérias não querem se meter, não querem falar, não querem questionar, permanecem silenciosas e isso me desagradava, mas não queria me indispor com todo mundo. Eu briguei muito lá dentro.


Porque os juízes não falam? A Senhora acha que eles sentem medo de algo?


É uma cultura o não falar, além de ser uma carreira que um depende muito do outro, de forma que você termina falando e se inutilizando, porque fica de escanteio. 

Eu sou uma exceção, não sei como me tornei uma ministra. Essa falação toda não é de agora, eu como desembargadora federal largava o pau, falava mesmo. Como juíza de primeiro grau eu falava e fazia assim muita política na AJUFE (Associação dos juízes federais do Brasil). Falava abertamente, dizia, discutia e dessa forma eu me considerava uma juíza suicida, achava que jamais seria promovida, mas fui. 

Quando foi e criaram os tribunais regionais os ministros votaram com unanimidade a minha promoção. Eu pensei que encerraria a minha carreira por lá. Sabia que é muito difícil chegar a uma situação de ministra, ainda mais eu que brigava muito no tribunal. 


A senhora foi à primeira mulher a obter uma cadeira como ministra no STJ em 1999. Como foi esse processo? A senhora sofreu com o machismo?


Não, O tribunal já estava bem maduro para receber uma mulher, o preconceito que sentia era pelo fato de os homens sempre se acharem os donos do lugar. Eles queriam colocar uma mulher e colocaram, mas queriam uma mulher que ficaria em segundo plano. Eu pensava que a primeira mulher a chegar ao tribunal seria cordial, cordata, que fosse mais ou menos uma água de flor.

Eu consegui a promoção, muito por conta da minha posição dentro do Tribunal Regional em relação à formação de magistrados. Eu sempre entendi que a magistratura precisava ter uma formação adequada para acabar com essa cultura de biombo, de segredo. Acreditava que o juiz deveria ser uma pessoa mais agregada aos órgãos que formam o Estado, porque o juiz fica fora de tudo e quando dá uma ordem acha que todos precisam obedecer. Não pode, o juiz tem que saber como funciona os órgãos do Estado. 

Com essa perspectiva, comecei a lutar por essa formação dos magistrados, visto que na época não existia a escola de magistratura na justiça federal. Eu pedi ao presidente do tribunal permissão para criar um núcleo de preparação de magistrado, isso na 1º Região. Ele me deu suporte com material e mais um assessor, tudo funcionava dentro do meu gabinete. Alguns colegas debochavam e chamavam o núcleo da “escolinha da professora Eliana”. Esse núcleo se desenvolveu e chamou atenção de um ministro do STJ, chamado Salvio de Figueiredo que gostava muito desse movimento e me puxou para ser sua secretária-executiva. Destaquei-me com todo o meu dinamismo e acabei chamando atenção e conhecendo os  outros ministros do STJ e isso ajudou na minha promoção.

Uma mulher com o meu temperamento não seria impedida ou atrapalhada por conta de machismo. Na hora que eles começavam com alguma situação, eu já me posicionava e não aceitava qualquer tipo de discriminação. Eles tinham até certo medo de mim porque eu abria a boca.

Certa vez o tribunal ofereceu um jantar a um professor italiano muito importante. Os ministros resolveram ir do trabalho para o jantar só que como as suas mulheres não iam, eles não me convidaram. Eu peguei o meu motorista, descobri o horário e o local do jantar e fui. O motorista até me avisou que não iria nenhuma mulher, mas nem liguei. 

No meio do jantar, eu chego toda bonita e formosa e falei para todos da mesa: “Vocês não me convidaram, mas eu estou aqui para ensiná-los que eu não sou a mulher de vocês, eu faço parte do tribunal, e, por fazer parte do tribunal estou aqui. Espero que aprendam”. Eles acharam o máximo, deram risada, me serviram e foi tudo bem.

Acho que nós mulheres deveríamos combater a cultura machista. Acredito que eles fizeram isso naturalmente, pensando que era razoável não me convidar, visto que as suas mulheres não iam, essa segregação é muito mais pela cultura machista, do que pelo machismo ou por uma aversão ao sexo feminino.


Como a senhora analisa o trabalho desenvolvido pela ministra Carmem Lúcia, atual presidente do STF? Acredita que ela acertou em deliberar a pauta que votou o habeas corpus do ex-presidente lula tão rapidamente? 


A Cármem Lúcia foi uma estrategista, ela no comando do tribunal sabia como as coisas iriam se desenrolar. Ela usou de uma estratégia corretíssima, tudo dentro do regimento, e recuperou a sua imagem que estava desgastada com o processo do ex-senador Aécio Neves. Aquele voto que beneficiou o Aécio não tinha sido engolido pela sociedade brasileira. Ela ficou em uma situação bem difícil.

Ela teve um desempenho muito correto do ponto de vista político, visto que ali, ela tem uma atividade política de justamente arrumar as situações. Ela arrumou aquela situação porque a corte estava absolutamente dividida, julgaria em controle concentrado uma ação direta de inconstitucionalidade e, logo depois, julgaria o caso do maior político brasileiro que estava em situação desfavorável, com um alto grau de exposição.

Ela privilegiou a justiça. A justiça saiu enaltecida, dando continuidade a um trabalho que começou na primeira instância e passou por todas as instâncias devidas, desfavorável ao ex-presidente lula, de forma que ela agiu estrategicamente e como uma estadista, que comanda o espetáculo.


A senhora é favorável a prisão após o julgamento da 2ª instância? Porquê? 


Eu sou a favor, porque a interpretação literal não deve ser feita na constituição. A interpretação constitucional deve se basear em princípios porque ela é uma lei de princípios.

O princípio da presunção da inocência deve ser interpretado com a segurança jurídica, com a credibilidade da justiça, etc.

A sociedade não aceita essa posição da constituição, porque a justiça brasileira é demoradíssima. Os crimes acabam prescrevendo e só beneficiam quem tem dinheiro para bancar bons advogados. 

Ademais, sob o ponto de vista prático, não é lógico assoberbar o judiciário com recursos e mais recursos que só tem a finalidade de arrastar o processo e não permitir o trânsito em julgado e a consequente prisão de alguém.


Qual a sua opinião sobre os embates entre os ministros do STF, acredita que há falta de decoro entre eles? 


Sim. Quando era do STJ costumávamos fazer reuniões antes de alguns julgamentos complicados. Colocávamos nossas opiniões e pontos de vista, também brigávamos, mas em reuniões particulares para evitar, justamente, essa exposição desagradável para o público, e, quando saímos dali, muitas vezes, um pedia desculpa ao outro porque se excedeu ou até um ministro mudava de opinião pelos argumentos jurídicos que havia escutado.  

Essas reuniões serviam para aparar esses acalorados temperamentos de quem quer defender o seu ponto de vista. Isso não é feito lá no Supremo, porque a vaidade é muito grande, eles têm muito poder. 

Costumo dizer que aquelas onze criaturas são capazes de fechar o Brasil, degradar o impeachment do presidente da república, fechar o Congresso Nacional. Eles são quase semideuses. Alguns não têm preparação necessária para ter aquele poder.

Muitos não têm preparação se quer intelectual para assumir aquele ônus, é um peso muito grande, principalmente, a partir da constituição de 1988, que eles ficaram responsáveis de dizer o que é ou não constitucional, com as ações de inconstitucionalidade. 

Eles ficaram em exposição, porque hoje tudo termina no poder judiciário. Além de decisões jurídicas eles tomam decisões políticas, porque esse é o modelo constitucional, visto que às vezes são chamados para resolver aquilo que o parlamento não resolveu. É muito poder.

A Ministra Rosa Weber que tem se saído uma mulher com muita dignidade, tanto nos assuntos do STF como no Tribunal Eleitoral, era uma juíza do trabalho, acostumada a interpretar a CLT, ela é pinçada e colocada lá às feras. 

Até mesmo a ministra Carmem Lúcia que era procuradora do Estado de Minas Gerais, trabalhava com casos menos complexos, não tinha nenhuma atividade política e nem de magistratura, só tinha bagagem de magistério. 

Você coloca essas pessoas com um Gilmar Mendes, pessoa muito política, inteligente, preparada, que se alinhou politicamente, dá no que dá. Ele fala como um político, ele é um político por vocação e tem por instrumental o conhecimento jurídico.

Dessa forma, poucos vão para discutir e enfrentar Gilmar. O único que vai é o barroso, homem muito preparado que foi advogado por muitos anos e foi cutucado na sua vaidade por Gilmar.

Não vejo ninguém que sustenta uma discussão com Gilmar, e por isso ele nada de braçada. Nem a própria Carmem Lúcia é capaz de conter Gilmar. Ela deveria cortar o som, encerar a seção e pronto. Ela não faz e Gilmar cresce. 

Depois de assumir a presidência do Supremo, a Ministra Carmem Lúcia envelheceu vinte anos, parece que ela não come, acredito que está tendo muitas dificuldades. 


Qual sua opinião sobre a escolha política dos ministros do STF e até mesmo do STJ? A senhora acha que esse modelo favorece alguns grupos políticos?


Eu já andei pensando muito nisso, já vi modelos de outros países, mas não acho que as escolhas políticas sejam execráveis, porque o próprio PT fez escolhas excelentes, isso depende muito das pessoas.

O Ministro Ayres Brito foi escolhido pelo PT, por ser um amigo do PT, ele era petista, ligado à política partidária, amigo de lula. Toda vez que lula chegava a Sergipe ele ia buscá-lo. Foi indicado, assumiu o cargo, mas depois que vestiu a toga acabou a amizade. Ele julgou com independência, foi o grande personagem do mensalão. Todos se lembram do Joaquim Barbosa, mas foi ele que botou o processo em pauta, ligou para Joaquim e disse: “preparar o voto porque eu vou colocar em pauta”. Foi uma excelente escolha. 

A própria escolha do Joaquim Barbosa, o presidente colocou na cabeça que colocaria um negro e acabou escolhendo-o, um homem que sempre foi independente, que não tinha rabo preso. Assumiu, vestiu a toga, a primeira vez que lula foi à África convidou-o, mas ele recusou, sabia da sua condição de ministro e não iria à África para ser exposto como um troféu do PT. É um homem que tem brio, procura seu lugar.

A Ministra Rosa Weber é ligada a Dilma Rousseff, mas não teve dúvida, foi lá na justiça eleitoral, no processo da chapa Dilma e Temer, votou contra a Dilma; votou contra lula no habeas corpus. Votou pelo seu entendimento, pouco importando quem foi que a colocou lá.

Os políticos se ressentem porque estão acostumados com retribuição, querem colocar os camaradas, e eles chegam lá e proclamam sua independência. Mas existem outros Ministros que não entendo o seu comportamento. 

O Ministro Dias Toffoli, que era advogado do PT, tinha o José Dirceu como seu chefe durante muito tempo, senta e vota o processo de José Dirceu. É uma coisa muito esquisita. Para piorar acaba votando sempre favor das demandas que envolvem o PT. 

Como poderíamos fazer a escolha? Escolha política? Pelo voto popular? Já vimos que não dá certo nem no parlamento, imagina colocarmos um Renan Calheiros para ser ministro do Supremo pelo voto popular?

A escolha de ministro do STJ é muito boa. Porque os ministros que lá estão, escolhem três nomes, essa lista tríplice vai para o presidente da república. O presidente escolhe um e essa pessoa recebe o crivo do senado. Assim são os três poderes que escolhem. Mesmo assim não dá certo, existem ministros que não deveriam estar lá. 

O real problema é que nenhum dos três poderes tem vontade de servir a nação, estão sempre servindo aos seus interesses. 

A escolha de ministro do STJ era uma loucura, só falta sair facada, era um horror. Eu nunca consegui colocar ninguém na lista, porque eu me dava o direito de vetar. Eu falava que não tinha nenhum candidato, porém eles iriam me permitir vetar a entrada de certas pessoas. Eu entrava nos conchavos para vetar. Mas mesmo assim, às vezes, não dava certo meu veto.


A senhora, certa vez, pregou que a operação lava Jato chegaria aos membros do poder judiciário. A senhora como ex - corregedora do CNJ ainda tem esse pressentimento?   


Não, hoje sei que a operação lava jato não chegará ao judiciário. Eu evoluí, antigamente pensava que o país poderia melhorar e dar jeito através do poder judiciário, mas quando passei pelo CNJ vi que isso não aconteceria.

Conversei com o pessoal que estava na operação e um procurador me disse que o grande sucesso foi decorrente da delação premiada. 

Ocorre que os advogados que defendiam os acusados não queriam que houvesse delação de juízes, porque se houvesse denúncia de juiz como corrupto quem seria o corruptor? Seriam os advogados. Ficaria muito mal para a classe. Além disso, se os advogados que muitas vezes são extorquidos delatam, viraria uma inimizade para todo sempre. O advogado sabe que mesmo corrupto o juiz tem muito poder, ele tem medo porque o próprio advogado e seu cliente pode se dar mal. Em razão disso, cheguei à conclusão que não chegaria.

Eu entendo que somente o próprio judiciário será capaz de desenvolver maneiras, através dos seus controles internos, para punir e afastar magistrados que tenham mau comportamento. 

        As penas existentes para os juízes são adequadas?


Não é tudo errado, não podemos punir um desembargador se não pela disponibilidade ou afastamento efetivo do cargo. Isso demanda um processo judicial. Se o desembargador comete um deslize, mas esse deslize não é tão grave, você não consegue puni-lo. Como visto  no caso da desembargadora linguaruda que falou da vereadora Marielle, dizendo que a vereadora estava engajada com bandidos. Foi uma coisa horrível, não poderia ser feito, pegou mal na mídia, o CNJ se posicionou falando que abriria um processo, mas te pergunto, para que o processo? Para tirá-la do cargo? Advertência e suspensão não pode se dar a desembargador. É justo que ela, por essa conduta imatura e inconsequente, perca o seu cargo? Acho que não, ela não cometeu nenhuma improbidade. Não vai dar em nada, precisava ter novas formas de punir essas condutas menos lesivas. 

Eu quis fazer uma investigação patrimonial dos juízes, nos moldes do que é feito por funcionário público. Abri sindicância, respeitando o contraditório e a ampla defesa, para aqueles que não conseguiram explicar a evolução patrimonial foi aberto processo administrativo. Porém no meio do caminho me falaram que o Juiz não poderia ser investigado financeiramente, pois era inconstitucional. 

Hoje o supremo está julgando isso, a constitucionalidade da investigação financeira de desembargador. Eu saí do CNJ e nem acompanhei o desfecho dessa história. Eu acredito que se é funcionário público deve ter a obrigação de explicar seu patrimônio seja o juiz ou o presidente da república.


Como magistrada aposentada, qual sua opinião sobre a concessão do auxílio-moradia? 


Olha é importante saber de onde surgiu isso. A constituição de 1988 concedeu a independência financeira e administrativa aos tribunais. Os governadores perderam a sua influência nos tribunais Estaduais e, para piorar, tudo que eles faziam começou a passar pelo crivo do judiciário.

Surgiram duas categorias de tribunais, os que eram maltratados pelo governador porque brigavam com ele, e, o tribunal que era bem tratado, pois o governador estava na mão do presidente do tribunal, porque tinha rabo preso, fazendo de tudo que o presidente da corte mandava.

Os governadores, para ter apoio dos tribunais e agradar os desembargadores, concediam aumentos e benefícios salariais fazendo com que os seus salários ultrapassassem o teto, ganhando mais do que os ministros dos tribunais.

Era uma situação tão complicada que o STJ permitiu que o desembargador promovido poderia optar pelo salário de ministro ou desembargador do Estado, a maioria ficava com o salário do Estado que era maior.

Isso acabou repercutindo nos desembargadores e juízes federais que ganham muito menos do que os do Estado. Eles não se conformavam, porque alegavam que trabalhavam mais, com uma responsabilidade maior e recebiam menos.

O ministro Ayres Britto pleiteou um aumento aos cargos Federais para amenizar a desproporcionalidade, mas ele não conseguiu nada.

Gilmar Mendes que inventou esse auxílio-moradia, hoje ele é contra, mas foi ele que inventou. Era mais uma forma de compensar os salários dos juízes federais. Mas não poderia ser concedido só para os Juízes Federais e acabou liberando geral. 

Atualmente, quem se aposenta perde, às vezes, 40% do seu salário, porque ganhava auxílio alimentação, moradia, livro entre outros. Isso está errado, porque, principalmente, tudo ingressa no patrimônio e não incide imposto de renda. 

Eu na Justiça Federal fui estudar a legislação, vi que não há amparo legal, tem na verdade um puxadinho legal que só quem tem muita boa vontade, consegue ver algum direito ali.

Agora arranjaram um cala boca para a imprensa que é um acordo que estão fazendo com a procuradoria. Mas sabemos que a procuradoria está fazendo um acordo, muito interessada em não acabar com a participação dos polpudos honorários nas ações do Estado. Um dia a mídia vai para cima deles também.


Aproveitando a proximidade com os dias das mulheres e das mães, qual mensagem a senhora gostaria de transmitir a todas leitoras deste artigo?


Eu acho uma grande honra ser mulher, a mulher tem um universo simbólico amplo e desenvolvido. Gostaria de dizer para elas serem persistente em todos os seus sonhos. É importante irmos à luta e lutar pelo que queremos ter e ser. É uma honra ser mulher.

Entrevista Realizada na residência da Ministra Eliana Calmon em Brasília



Edição: 62 - Maio/Junho



Associação dos Delegados da Polícia Federal

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