Desembargador Fausto de Sanctis

Desembargador Fausto de Sanctis



Fausto Martin De Sanctis, nasceu em São Paulo em 1964 e formou-se na faculdade de direito FMU em São Paulo.

Antes de se tornar Juiz e ganhar notoriedade pelos trabalhos da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo de 1991 a 2011, foi Procurador do Município de São Paulo (1988), Procurador do Estado de São Paulo na área de assistência judiciária, atual Defensoria Pública do Estado de São Paulo (1989-1990). 

Na 6ª Vara Criminal notabilizou-se pela atuação em casos que envolviam crimes de lavagem de dinheiro e crimes conexos, sendo o juiz das operações como a Satiagraha e Castelo de Areia. Nesse período decretou, a prisão de pessoas influentes como o banqueiro Edemar Cid Ferreira, do empresário Ricardo Mansur, do doleiro Toninho da Barcelona, do mega traficante Juan Carlos Ramirez Abadia, Daniel Dantas, Naji Nahas, e do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta, entre outros. 

Atualmente, é um dos quarenta e três desembargadores Federais que compõe o Tribunal Pleno do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3); é conhecido como um juiz legalista, tendo em seu histórico rusgas com autoridades do poder judiciário garantistas, como o Ministro Gilmar Mendes. 

Como foi a época em que o senhor comandava os trabalhos da 6ª Vara Criminal? O senhor sente saudades?


Sinto muitas saudades, porque foi um momento de contato direto com a polícia, Ministério Público e as partes. Esse é um momento rico e traz muita experiência para a elaboração e construção de uma verdade que é trazida para o judiciário. 

Esse contato direto com os elementos do processo é muito mais instigante e interessante para o juiz que quer fazer justiça. 

Gostava muito de fazer audiências, era um momento importantíssimo, ter contato com os fatos e as provas desses crimes. Era um momento em que emergia a realidade dos acontecimentos sociais que abarcavam o país.

Infelizmente, não há essa vivência e investigação tão intensiva nos tribunais, mas é a vida. Temos que passar o bastão para outros fazerem esse trabalho.


O senhor já chegou a ser ameaçado de morte?


Essa é uma pergunta recorrente ao magistrado. Não existe só a ameaça física, mas também há ameaças inerentes à morte da reputação de um juiz. 

Sobre as ameaças à morte física, tiveram três períodos que passei por isso, mas eu acho que a morte física nem sempre se divide, porque não é um momento bom.

Agora a morte da reputação foi algo que eu enfrentei e acredito que a população e as pessoas que tiveram próximas a mim acompanharam de perto esse momento. 

Sempre houve tentativas de desmoralizar e desacreditar aqueles que tentam fazer o melhor. Não são apenas críticas, mas a tentativa de morte da reputação da pessoa para desqualificar e desacreditar tudo que ela está fazendo ou decidindo no caso do juiz.

Isso eu passei, constantemente, a frente da Vara de lavagem de dinheiro. Era um trabalho constante de construção de uma imagem e que, às vezes, era corrompida por uma notícia desviada, uma Fake News, que tinha exatamente esse propósito, a morte da reputação.


Há quem acuse o Congresso Nacional de tentar interferir no trabalho do magistrado ao implantar uma “Lava Toga” para investigar as supremas instâncias. Há uma interferência? É legítima essa conduta?


Não acompanho de perto as razões que levam de fato alguns a tentar instituir uma “lava toga”. 

Mas vem sendo constatado ações de desrespeito às autoridades em geral, esse desrespeito, muitas vezes, parte de autoridade que deveria preservar e se dar ao respeito. Isso tem levado a um estado de insatisfação dos que são desrespeitados.

O Congresso Nacional deve ser respeitado como Congresso Nacional, uma instituição da república. Bem verdade que existem membros que foram e são processados. O STF de certa forma reconheceu, nas operações desencadeadas e ratificadas pelo tribunal, que o crime organizado se instalou naquela instituição, como na ocasião do mensalão. 

Porém, isso não retira do STF o seu dever de respeitar as autoridades, sejam elas judiciais ou não judiciais.

Então, eu acho que o sistema democrático exige o sistema de freios e contrapesos, consagrado na doutrina internacional. Não pode existir um sistema absoluto; o absolutismo vai contra a ideia de democracia. Tudo na democracia passa a ter valor relativo. 

Quando um poder se coloca acima do outro, no sentido de “eu sou melhor que o outro”, há necessidade de atuação e fiscalização de um poder sobre o outro. Isso vale para o legislativo, como para o judiciário.

Assim, se a lava toga tiver fundada em elementos legítimos e técnicos, deve seguir. Da mesma forma que o judiciário deve seguir na sua função de condenar fatos reprováveis, mesmo quando parte de autoridade de outros poderes com foro de prerrogativa de função.


Acredita que o trabalho, atualmente, desenvolvido na primeira instância, em relação a crimes de lavagem de dinheiro, é muito diferente do trabalho realizado na sua época? Qual o impacto da lei nº12.850/13 na rotina forense e investigativa?


É muito diferente, porque tem um respaldo popular que não havia na época. Há uns anos, não havia internet e as informações eram, de certa forma, controlada pelos detentores da informação. Hoje há uma comunicação em massa não dirigida pelos detentores do monopólio da informação, permitindo que a sociedade acompanhe de perto os trabalhos do judiciário.

Isso aconteceu com a lava jato que obteve um apoio maciço da população, nunca antes visto. Além disso, a lava jato foi diferente, pois teve a “sorte” de contar com pessoas alinhadas a uma percepção sobre os fatos de corrupção e lavagem de dinheiro, havendo um movimento efetivo contra o crime. 

Esse alinhamento ocorreu da primeira à última instância. Os relatores do processo e dos recursos, tanto no TRF4, STJ e no Supremo, tinham um alinhamento de pensamento permitindo que a operação se estabelecesse e mantivesse um trabalho com maior fluidez.  

No início das varas especializadas não houve essa coincidência. Houve até certo limite. Tínhamos alinhamento até o segundo grau de jurisdição; nos tribunais superiores não houve coincidência dos relatores com as teses defendidas e muitas operações não eram legitimadas nessas instâncias.

A população começou a enxergar o judiciário, de fato que pelos olhos do judiciário o direito é revelado, mas pelos olhos da população as instituições são reveladas.

A população acompanha de perto as decisões e o trabalho do judiciário; apesar de não entender essa ou aquela decisão, ela tem conhecimento das decisões do juiz, entende e valora as decisões do ministro do supremo x ou y, do desembargador e do juiz de primeiro grau.

Esse acesso direto à informação tem permitido essa fiscalização da população que não havia na época. Antes, a população só sabia da decisão que era tomada e não tinha essa visão ampla do processo e do judiciário. 

Tanto a lava jato, como as varas especializadas, são fruto de uma mudança legislativa.

Muitas leis foram passadas sem que os políticos se dessem conta que essas leis poderiam ser aplicadas contra eles. Elas só passavam porque havia uma ideia de impunidade geral que pairava em muitos que faziam parte do legislativo. Essas leis permitiram uma maior fluidez nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. 

Não é a lei x, é um conjunto de leis, mas claro que a lei contra o crime organizado endossou ações que já eram tomadas pelas varas especializadas antes da sua promulgação. Eu, como titular da sexta vara cheguei a presidir audiências de homologações de delações premiadas que ocorreram antes da Lei nº12.850/13. Muitos consideram que é uma criação da lava jato, mas não é.

Um procedimento inovador, adotado antes da legislação, foi a venda antecipada de bens de traficantes e criminosos em geral. Aplicávamos essa medida sem existir legislação, sendo por vezes encarada como violação ao direito de propriedade, ensejando invocações de inconstitucionalidade.

O Apoio Popular inusitado fez com que muitas ações que no passado eram taxadas como irregulares, não fossem vistas dessa forma. Espero que esse apoio continue e não seja apenas um momento de crise econômica. 

Eu, por exemplo, respondi um procedimento administrativo simplesmente porque publiquei a sentença criminal. Essa foi publicada preservando o sigilo das interceptações telefônicas. Fiz duas sentenças, uma para ser publicada extensivamente, sem as interceptações, para que a população tomasse conhecimento, e outra sentença abordando todas as provas da demanda.

Achei prudente essa medida para não comprometer, talvez, a reputação de alguém que não havia condenação transitada e julgada. Foi tirada as interceptações para a preservação e o sigilo. Hoje, vemos todos os tipos de publicação, inclusive por parte das cortes superiores.

Isso prova que mudou muito o trabalho realizado de hoje para aquele da minha época.


Em sua opinião, a legislação penal e processual penal necessitam de ajustes? Quais seriam os ajustes mais urgentes para auxiliar o trabalho na investigação policial e na colheita de provas?


Tenho receio sobre mudanças legislativas nesse momento; o próprio Roxin falava que o Código de Processo Penal espelha realidade política de um país e o Brasil politicamente está muito conturbado. Qualquer mudança vai estar contaminada por esta conturbação. No início, poderá ter uma intenção gloriosa, íntegra e moral, mas pode ser deturpada para a proteção do criminoso.

Não estou falando que sou contra a boa parte das intenções do ministro Sergio Moro; ele se baseia na sua experiência e na necessidade de efetividade do sistema judiciário.  

Mas acho muito delicado haver mudanças nesse momento; elas devem ser feitas pontualmente. Temo a reforma do processo penal como um todo.

Qual a recomendação que o Sr. tem para os novos juízes federais que se deparam com uma estrutura de corrupção gigantesca da Satiagraha envolvendo, banco, doleiros, construtoras e empresas como a Braskem do grupo Odebrecht?


Abordo esse tema em minhas palestras e afirmo que a corrupção é como um ônibus e tem que ser enfrentada como tal.

A corrupção faz com que aquele que está no poder fique ao lado, entre ou fique na frente do ônibus. Aqueles que são honestos têm que ficar na frente do ônibus, ele é muito grande, pode seguir o seu caminho, mas pode reduzir a sua velocidade se você ficar na frente dele.

As autoridades devem continuar a impedir o ônibus da corrupção, apesar de alguns revés, porque precisamos mudar o país. Estamos em uma bifurcação; ou continuamos com a repetição de escândalos, ou aperfeiçoamos de vez o sistema e reforçamos a sociedade civil. 

Que mensagem o senhor pode deixar para os policiais federais que atuam de forma legal e honesta, honrando o cargo que exercem, especificamente, na investigação de crimes de lavagem de dinheiro?


Eu tenho grande admiração pela Polícia Federal; hoje ela é orgulho nacional, já tinha essa visão antes dela ser considerado um orgulho nacional.

Ela cresceu muito qualitativamente, praticamente única no país. Só tenho elogios aos policiais; sempre vi profissionais imbuídos de um espírito público, sendo que ela se colocou em destaque no sistema republicano, sem diminuir outros poderes. É uma instituição admirável, merecedora de elogios pelo trabalho desempenhado, reconhecido nacionalmente e internacionalmente. A PF é muito respeitada fora do Brasil, muito mais até que alguns setores do Judiciário.


Entrevista Realizada no gabinete do Desembargador Fausto de Sanctis em São Paulo



Edição: 67 – Março/Abril



Associação dos Delegados da Polícia Federal

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