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Como o Ministro analisa o momento histórico republicano Brasileiro?
Às vezes o momento político contraindica certas respostas que sejam desagregadoras
institucionalmente. Quando você percebe que está antagonizando as instituições por um
modo desnecessário nessa quadra histórica de antagonismo e exacerbação de ânimos e
radicalização de posições, é melhor não levar lenha para fogueira. Isso não tem nada a ver com
jogo de conveniência e sim responsabilidade republicana institucional.
Esse é um momento que não devemos perder e nem abrir mão do senso crítico, uma vez que é
esse senso crítico que nos distingue como seres humanos, cidadãos ou seres pensantes.
De outro turno, devemos preservar o diálogo interinstitucional e contribuir ao máximo para
que a sociedade entenda que fora das instituições não há salvação.
Rui Barbosa é autor de uma frase pouco conhecida, porém oracular: salvação sim, salvadores
não; Bertolt Brecht, escritor e filósofo alemão também dizia; triste de um povo que precisa de heróis.
Essas frases refletem o personalismo que não é bom, uma vez que de certa forma se sobrepõe as instituições.
A nova constituição gerou um efeito interessante e desejável. Instituições como; Ministério
Público, Defensoria pública, advocacia privada, a polícia no âmbito da investigação penal e na
sua posição de polícia judiciária, o judiciário - tomaram corpo em defesa da constituição em
serviço de sua aplicabilidade.
Assim, percebe-se com o passar dos anos que elas não são instituições de governo, mas sim
de estado, não tomam posições partidárias e são conscientes de seu papel democrático.
Como o Senhor analisa o momento político Brasileiro, marcado por um número elevado de
partidos, ideologias e posições?
O pluralismo é virtuoso no campo político, por ora temos o pluralismo político e o filosófico
chamado de pluralismo ideológico. Esse pluralismo é tão virtuoso que consta expresso na
constituição Brasileira o pluralismo político como fundamento da república no art.1º, inciso V.
Porém, no Brasil isso ficou um pouco exagerado. Temos por volta de trinta partidos e isso é
disfuncional, não que a constituição esteja errada, mas o legislativo vem aplicando mal a
constituição nessa particular.
Falo em exagero e disfunção considerando que partido político é parte, parcela, fração de
opinião pública no campo da política, no ponto das ideologias sendo hialino que não temos
trinta vertentes coletivas partidárias.
Como ex-presidente do STF, como o senhor avalia os ataques à corte e aos seus
ministros?
Gostaria de responder situando o supremo no quadro geral da sociedade Brasileira.
A sociedade em âmbito nacional, atravessa uma fase histórica de exacerbação de ânimos,
antagonismos descomunal, radicalização de posições a partir de prismas ideológicos. A
sociedade padece de um mal causado pelo divisionismo radical, confunde a virtude do
pluralismo com esse defeito do divisionismo, sendo que ela tem caminhado na direção do
desprestígio das instituições e chegou a vez do supremo.
Meu ver, três instituições se mantêm meio que a salvo de ataques e insultos maiores, são
elas a Polícia Federal, Forças Armadas e o Ministério Público como instituição, uma vez que
alguns poucos procuradores vem sofrendo ataques. Importante destacar o Tribunal de Contas
da União (TCU), ele não tem sido aplaudido mas também não é insultado em passeatas pelo
país.
O judiciário entrou no rol das instituições agredidas e o Supremo Tribunal Federal (STF) não
conseguiu ficar de todo incólume.
Para falarmos do STF é fundamental entendermos a sua importância e seu papel democrático.
O supremo é a instância superior no poder judiciário e a extrema, no sentido que fala por
último, no âmbito dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário).
Então, cabe ao supremo perseverar na sua posição de instância que no âmbito do poder
judiciário é a mais alta e no âmbito dos 3 poderes é a extrema (que fala por último).
A investidura em seus cargos se faz profissionalmente, nos outros dois poderes não, só o
judiciário é vitalício, os outros são tão políticos como de investidura temporária. Essa
vitaliciedade torna as decisões de seus ministros mais seguras e técnicas de forma que eles
não precisam decidir conforme a vontade da opinião pública ou de outros interesses, não são
susceptíveis a retaliações como acontece na área políticos. Os ministros devem seguir as suas
convicções, motivá-las e publicá-las.
O STF precisa dialogar melhor com a sociedade não para cortejar a opinião pública, ou seja,
agradar ou jogar para a platéia, mas sim dar maior explicação de suas decisões.
O STF deve entender que a sociedade mudou. Hoje a comunicação é online, as informações
são rapidamente transmitidas e amplamente difundidas pela facilidade que a internet trouxe,
sendo necessário que o supremo exaure as suas decisões com uma linguagem mais acessível,
simples e didática para que a sociedade entenda as suas decisões.
Acredito que com essa simplicidade, a sociedade entenderia os motivos que o ministro x
Concedeu ou não, a decisão favorável a determinada parte da sociedade. O STF deveria
sempre se abrir para uma explicação à imprensa e ao grande público, sem que isso signifique
cortejar a opinião pública ou jogar para a plateia.
Acredito também que; o poder judiciário tem que ter o cuidado de conciliar o fim oficial,
formal do processo com o fim empírico, e factual das contendas e controvérsias. Às vezes, você
resolve formalmente o processo, mas o litígio continua no seio da sociedade, porque a
sociedade não se conformou com aquela decisão, muitas vezes as partes também não se
conformaram.
Reiteradamente vemos embates entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Essa
“briga” entre os poderes é boa para o país?
O art. 2 diz didaticamente que; Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) são
independentes e harmônicos entre si.
Gosto de analisar esse artigo na ordem cronológica, independentes e harmônicos. A
independência vem primeiro que a harmonia, assim, a independência é mais importante do
que a harmonia. Primeiro a independência, depois a harmonia.
A harmonia é desejável, mas o país pode conviver com alguns instantes de desarmonia e
desentendimento. Impossível seria viver democraticamente se alguns dos poderes abrisse mão
de sua independência, sobretudo o judiciário que é o fiel da balança, protetor da constituição
e que no âmbito dos 3 poderes é o único poder profissionalizado.
O executivo detém as forças armadas, polícia, fisco e metaforicamente falando tem em suas
algibeiras as chaves do cofre e das prisões.
O legislativo faz as leis regulando a forma que o executivo deve atuar, em decorrência do
princípio da legalidade onde a administração/executivo deve sempre atuar pautado na lei.
O executivo mantém com o legislativo uma relação de permanente entendimento, dai
chamado o presidencialismo de coalizão. São dois poderes que acabam falando a mesma
língua. O judiciário por vezes é chamado para dirimir algumas controversas desses poderes,
sempre pautado pela lei máxima que é a constituição.
O Supremo tem como papel explícito no art. 102, a guarda da constituição trazendo a
segurança jurídica ao país, uma vez que a segurança jurídica máxima é aplicar a lei máxima.
Portanto é fundamental que o STF persevere nessa posição altaneira, não abrindo mão jamais
de sua independência. Os outros poderes também não podem abrir mão!
A democracia é um regime de estruturação do estado, do governo e da própria sociedade, ela
não admite se quer alternativa. É um regime solitariamente virtuoso! o virtuoso sozinho,
porque a alternativa teórica e imaginável para a democracia seria a autocracia, em linguagem
mais simplificada a ditadura.
A ditadura não é uma alternativa, mas sim uma falsa alternativa. Todos nós devemos
internalizar a ideia de que diante da democracia o desafio é pegar ou pegar, e nunca de pegar
ou largar. A democracia não comporta alternativa, devemos entender que só resta aperfeiçoá-
la.
A democracia é um processo e processo significa seguir à diante, é um andar para frente e não
se vence por nocaute.
Bem verdade que há aqueles que boicotam a democracia, os permanentes inimigos da
Democracia e que por vezes estão dentro do Estado. Há aqueles agentes que por disfunção
traem as suas instituições, e quando os agentes não servem bem as suas instituições elas já
não cumpre bem a sua finalidade.
A democracia é pautada por instituições que a protege, uma coisa puxa a outra quando os
agentes são fiéis as suas instituições, as instituições são fiéis as suas finalidades e a
democracia se fortalece.
Porém sabemos que no confronto de instituições e agentes são os agentes que devem bater
em retirada, sair do mapa. As instituições não vão sair do mapa no limite da confrontação.
A nossa democracia tem um trunfo que é a nossa Constituição, ela foi elaborada
democraticamente e consagrou como o princípio continente no art 1º, o estado democrático
de direito, o resto é conteúdo.
Ademais, somos felizes juridicamente e não sabemos, a luz de nossa constituição somos um
país, um povo primeiro mundista e isso é raríssimo. O Brasil o primeiro mundista
normativamente e musicalmente, antigamente éramos também no futebol, mas ele já não
anda lá essas coisas.
O senhor já chegou a ser criticado por alguma decisão? Como se sentiu com as críticas?
Como o Senhor analisa o inquérito aberto pelo STF das “Fake News” sobre alguns ministros
do tribunal?
Aquela época era um pouco diferente, não se comprava computador e celular tão facilmente,
era uma tecnologia nova, não tão bem desenvolvia e difundida como nos dias atuais, antes a
vida não era online, era mais real do que virtual!
Atualmente o acesso à internet é extremamente facilitado, as informações são instantâneas,
permanente, tudo é registrado e documentado.
Então, naquela época não havia esse acirramento de ânimos, as críticas aos ministros do STF
na qual me incluo, eram bem mais respeitosas e suaves.
Obviamente já fui criticado, por exemplo quando decidi sobre o caso da Raposa Serra do Sol.
Eu fui na área conflagrada na companhia dos ministros Gilmar Mendes e Carmem lucia, peguei
avião monomotor, vi a situação de perto, pesquisei sobre o assunto, embasei a minha
sentença, mas, mesmo assim fui criticado.
Fui criticado também quando decidi conceber o habeas corpus a um editor do Estado do Rio
Grande do Sul, chamado Sidi Friday Ellwanger Castan que havia sido acusado e rotulado por
parte da mídia como antissemitista e de marqueteiro do nazismo. Meu voto foi vencido,
porém eu não entendi tal conotação nos livros que ele editou e escreveu, foi por isso que
concedi o habeas corpus, porém fui muito criticado.
Nós recebíamos críticas mas não com essa pegada que toca as raias do insulto, era outra
época.
Em relação ao inquérito aberto pelo STF, eu já me pronunciei em outra entrevista sobre o
Assunto; acredito que o inquérito tem boa intenção, porém ele não deveria ser aberto pelo
supremo!
Por conta do sistema penal Brasileiro que não é o inquisitório, mas sim acusatório, cada
instituição deve ficar e se conter no seu quadrado normativa. O STF deveria determinar que a
polícia investigasse o caso sob a supervisão de um ministro do STF, eu admito que o STF
determine a abertura nessas condições.
Cada instituição tem a sua função, objetivo e competências bem estabelecidos na
Constituição. A polícia investiga, o MP denuncia caso se convença da materialidade do crime e
indícios de autoria, e o judiciário cabe instruir o processo e realizar o seu julgamento.
O art. 102 da Constituição determina que compete ao STF processar e julgar, ou seja, o
Supremo não acusa e nem investiga, não cabe a ele ser responsável e realizar a abertura de
um inquérito
A ideia é boa, apurar e ir atrás, porque quem incide em Fake News não tem caráter e às vezes
incita reações que podem ser perigosas, danosas e nocivas para a coletividade.
É preciso sim por corpo, investigar, ver esses bandos/núcleos/milícias digitais que distorcem os
fatos deliberadamente e que sabem que aquilo não é fato, mas sim fake, serem
responsabilizados por suas ações. As instituições precisam dialogar e tomar medidas para
convergir esforços para a coibição dessa prática delitiva.
Eu apenas discordo do modo com que essa repressão está sendo feita pelo Supremo, mesmo
entendendo que há aqueles que defendem que esse ato está amparado pelo regulamento
interno do tribunal.
O senhor tem algum receio que esses movimentos vivido pelo país enfraqueça a
democracia?
A democracia, volto a dizer; é o regime dos regimes! Feliz de um país que elabora
democraticamente uma Constituição como o nosso e que traz desde o primeiro artigo, o
Estado democrático de Direito como o seu princípio por excelência.
A democracia é virtuosa por definição! Intrinsecamente, ela é o regime de estruturação de
estado, governo e da própria sociedade civil, regime único.
A democracia é como um ser humano, às vezes ficamos predatoriamente competindo com o
colega de trabalho para ser o número um, dois, etc, e esquecemos que somos muito mais que
isso, somos número único, irrepetível, incomparável, e a democracia é assim, tanto é que a
constituição não tem número, é a única lei que não tem número, porque ela é o número único,
nada lhe compara, ela é ímpar, não conhece par, não serve de comparação.
A constituição é a única lei que não é feita pelo Estado, mas sim pela nação, via assembleia
nacional constituinte. Assembleia Nacional constituinte pertence à nação, já o congresso
nacional pertence ao Estado; O estado é criatura, a assembleia é criadora, por isso falamos que
a constituição é a norma sem ser normada.
Quem tem a felicidade de adotar a democracia como o regime dos regimes, o princípio
continente no qual o resto é conteúdo, o princípio dos princípios jurídicos, só experimenta
avanço.
Albert Einstein já dizia: Quando a mente humana se abre para uma nova ideia, impossível
retornar ao tamanho inicial e esse pensamento permeia a democracia. Historicamente, a
democracia avança como uma forma inelutável, inevitável de vertente civilizatória.
Você experimenta solavanco, experimentamos uma fase onde as pessoas batem cabeças, pode
haver desentendimento entre as instituições, mas a democracia chega e, como dizemos em
linguagem jurídica, acaba chamando o feito à ordem, ou seja, ela é capaz de corrigir as
irregularidades no processo.
Atualmente, podemos observar esse movimento, essa fase civilizatória e de adequação pode
durar um pouquinho, e na verdade está durando. Vemos há tempos o desentendimento e a
radicalização nas pessoas, o que me faz lembrar a música de Caetano Veloso chamada´´ desde
que o samba é samba``, na qual fala: ´´tudo demorando em ser tão ruim``, mas a democracia vem e
chama o feito a ordem, chega o momento do despacho saneador democrático onde as coisas
voltam para o lugar.
O Mensalão e a Lava jato são exemplos desses movimentos democráticos que visam colocar as
coisas no seu devido lugar.
Os motoristas do nordeste com caminhões de cargas em natura quando percebe que no andar da
viatura as cargas de produtos naturais como melancia, coco, abacaxi, abóbora, está
desbalanceada, ele espera uma ladeira que o instinto dele e experiência já sabe qual, dá um
freio para balançar e solavancar, nesse movimento a carga se ajeita.
A democracia é uma espécie de freio de arrumação, e quem não estiver com o cinto de
segurança do dever de casa bem-feito vai se machucar!
Gosto de falar que a democracia é um regime político de governo e de estado, que não
admite regime de emagrecimento. Se você quiser diminuir o espectro democrático, vai se dar
mal, você pensa que vai conseguir, mas não consegue porque a democracia reage.
Temos que ter em mente de que quando o Estado paga uma dívida civilizatória, social, penal,
ética, já não pode estornar esse pagamento e voltar a ser devedor, a democracia tem como
essência avançar em um processo de civilização.
Essa evolução reflete em vários espectros. Não consigo enxergar uma Polícia Federal
manipulada como antigamente, ela evoluiu, ela vai se compenetrando, sendo que hoje a
Polícia Federal é um patrimônio da sociedade e da democracia.
Essa credibilidade conquistada será mantida com a isenção, coragem, independência,
autonomia técnica do órgão, você não deve apurar um crime devido a uma simples ordem
sem que haja a materialidade e o convencimento pessoal.
Então, a democracia e a constituição são nossos dois grandes trunfos e, a partir delas nós
poderemos dar resposta a quem diz que estamos no fundo do poço. Essas pessoas alegam que
estamos nessa posição, pois há disfunção atrás de disfunção, traição institucional atrás de
traição institucional, porém o fundo do poço pode ser de areia movediça ou de molas ejetora,
nos temos duas molas ejetoras que é a constituição e a democracia. A partir daí a gente se
recupera e se repagina.
O Brasil está se repaginando a partir das suas instituições e vai sair dessa fase com uma versão
bem melhor. Após passar esse processo democrático do freio de arrumação, de chamamento
do feito a ordem, de despacho saneador, o Brasil será outro país.
Espero que o Brasil saia dessa crise tendo o seu povo um novo elo de pertencimento honroso
com a nação, porque o atual elo já não serve, ele nos acabrunha (envergonha). Temos que
parar com o fisiologismo (interesse pessoal de servidores públicos), corporativismo no sentido
de gozo e privilégios, chega de desperdício de recurso público, chega de enquadrilhamento
para assaltar o erário.
Eu quero um novo elo de pertencimento ao Brasil, a partir e sob a liderança das instituições
democráticas.
O Senhor foi relator da decisão que possibilitou a demarcação da Reserva Raposo Terra do
Sol, na qual beneficiou 20 etnias indígenas. Na seara do retrocesso civilizatório, como o
senhor analisa o posicionamento do atual presidente que defende a reanálise das
demarcações das terras indígenas?
Acho temerário, deveria ser cumprir as decisões judiciais sobre a matéria. Eu só admitiria
reabrir o processo demarcatório, se as etnias indígenas saíssem desfavorecidas com a
demarcação.
A constituição foi claríssima, abriu um capítulo para cuidar dos índios (capítulo VIII), e usou
para regulamentar essa relação da posse de terras indígenas e as suas consequências como o
uso, gozo e desfrute, uma linguagem raríssima para não dizer única. Ela diz que ficam
reconhecidos os direitos e não outorgados, a lógica do reconhecimento é a de “desde sempre”
e a lógica da outorga é a do doravante (agora em diante).
Nós estudamos exaustivamente a questão indígena. Os primitivos habitantes da terra “Brasilis”
tiveram na constituição e no posicionamento do STF o reconhecimento de sua dignidade. Nós
pagamos uma dívida para com eles ao proclamarmos a luz da CF que a demarcação é um
instituto necessário, para favorecer as comunidades indígenas, com as cautelas e anteparos
presentes no acórdão que garante a soberania nacional.
No acórdão no qual fui relator, dissemos expressamente que a Polícia Federal não está
proibida de cumprir o seu papel se precisar usar as terras indígenas, transitar por ela, assim
como as forças armadas e outros serviços públicos.
Dissemos também que em prol do Brasil não existe povo indígena, essa é uma linguagem
equivocada das autoridades, imprensa, sociólogos e antropólogos, o correto é etnias,
comunidades, populações indígenas, que é a linguagem da constituição.
A Constituição só usa povo em sentido político, então, é tudo o povo do Brasil. A constituição
não fala em território indígena, porque território é como povo, é uma categoria política. Ela
fala em terra indígena, território é só o do Brasil que é federativo, tendo território da União,
dos estados o do distrito federal.
A constituição foi muito cuidadosa em não abrir os flancos para que, a pretexto de sair em
defesa de certos povos, estados estrangeiros metam o bedelho no Brasil. Assim, não há povos
indígenas, mas só um povo Brasileiro, não há território indígena, mas sim terras indígenas.
Qual é o papel da imprensa nesse processo democrático? Qual a sua importância? Porque o
Brasil tem tantos escândalos na área política e até mesmo institucional?
Essa é uma pergunta pertinente, até porque eu fiz um amplo debate e aprofundamento
técnico sobre o tema, quando fui relator sobre a recepção constitucional (constitucionalidade)
da antiga lei de imprensa do governo militar.
Nós não recebemos essa lei em nenhum artigo, eu suspendi monocraticamente 22 dispositivos
da lei de imprensa, o STF ratificou a minha decisão cautelar e acompanhou o meu
posicionamento no mérito do tema.
Foi dito no acórdão (decisão) que, materialmente, o maior de todos os direitos é a liberdade
de expressão com aqueles quatro conteúdos presentes no art. 5º, inciso: conteúdo artístico,
intelectual, científico, comunicacional.
No meu voto, eu fiz um trocadilho que dizia: A liberdade de expressão é a maior expressão da
liberdade. Quando estamos no plano individual falamos em liberdade de expressão, já no
plano coletivo se chama liberdade de imprensa.
A Constituição eleva esse direito da liberdade de imprensa que tem um capítulo específico
para ela (Capítulo V) e, com isso, o que era livre se tornou pleno.
Outra coisa que foi dita é que a liberdade de expressão é, metaforicamente, a irmã siamesa da
democracia, tendo em vista que o papel da imprensa livre é investigar, denunciar, analisar,
criticar. A liberdade de imprensa é plena no Brasil.
Graças a essa liberdade que a nossa democracia tem avançado. Como as duas são irmãs
siamesas, quanto mais você favorece a democracia, mais favorece a liberdade de imprensa,
quanto mais desfavorece a liberdade de imprensa mais desfavorece a democracia. A relação
entre as duas é a de retroalimentação, “feedback”. Evoluímos e amadurecemos muito nesses
trinta anos da nossa constituição democrática.
Temos sempre que ter em mente que a nossa democracia é muito jovem, temos apenas trinta
anos de democracia apregoada pela constituição de 1988 e é normal passarmos por essa fase
de aperfeiçoamento.
Os Estados Unidos proclamou a sua independência em 1776, nós só fizemos em 1822, a
Constituição deles foi de forma republicana e estado confederal ou confederativo, onze anos
depois em 1787, eles transformaram a confederação em federação e mantiveram a forma
republicana de governo.
Nós em 1822 proclamamos a independência, mas a fizemos na forma de monarquia, lá era
republica, coisa de todos “res publica”, nós monarquia, forma de governo concentrado e
Estado unitário.
Eles têm muito mais chão percorrido de experiência democrática. A grande democracia
Brasileira mais consistente veio mesmo em 1988. Foi a constituição mais debatida, eleita
democraticamente pela assembléia constituinte, por voto direito, salvo texto do senado
remanescente que foi voto indireto.
Nunca uma constituição foi tão debatida pela sociedade civil, teve apoio de juristas,
ambientalistas, antropólogos, universidades, imprensa, a ponto de Ulisses Guimarães
euforicamente pegar a constituição em sua mão direita e proclamá-la constituição cidadã.
Ele usou duas metáforas que foi a constituição cidadã e a constituição coragem, porém a
cidadã caiu no gosto do povo. Vivemos uma epopeia constituinte! Somos felizes e não
sabemos.
Nunca as instituições, como a Polícia Federal, Ministério Público, Judiciário, TCU, foram tão
empoderados. Às vezes a instituição não administra bem o seu empoderamento, é como que
se nos primeiros anos o empoderamento subisse a cabeça.
Olha o que está acontecendo com o MP, há muitas queixas de excessos cometidos por alguns
membros. Estamos passando por essa fase de depuração, aperfeiçoamento.
Quando uma autoridade de notável saber se torna conhecida de todo um público, as vezes não
sabe administrar bem a própria notoriedade. Não devemos confundir a notoriedade com
notabilidade, a notoriedade te torna famoso e conhecido. A notabilidade não, você é um
expoente naquilo que faz.
Essas duas condições são “primus interpares”, nem sempre o notável é notório, e às vezes o
notável quando se torna notório, não sabe administrar essa notoriedade. Não acontece isso só
no direito, acontece em outras áreas como no campo musical, quantos artistas geniais não
souberam administrar o empoderamento musical e resvalaram para as drogas, no campo
político, quantas pessoas carismáticas de inteligência privilegiada não souberam administrar a
notabilidade política.
Porém quando a notabilidade não convive bem com a notoriedade a sociedade civil reage e
logo percebe que algo está errado.
A democracia é esse processo, no nordeste dizemos que é no tranco da carroça que as
abóboras se ajeitam. É no tranco do processo democrático que as instituições, autoridades,
institutos jurídicos, vão se ajeitando e, para bem de todos, o data centrismo o dataismo, a vida
online está encurtando a distância no tempo, de forma que as coisas vêm acontecendo de
forma muito mais rápida.
Não quero ser interpretado mal, não falo do indivíduo “a” ou “b”, porque as pessoas públicas
têm que ter uma função mais agregadora, porém constata-se que a democracia é tão boa e
única em qualidades civilizatórias que não raro assume o poder central uma autoridade
autoritária! Um agente autoritário por definição, subjetivamente autoritário não
consegue implantar um governo objetivamente autoritário porque as instituições não deixam,
nem a imprensa sociedade civil!
Não estou falando do Brasil, EUA, mas sim a partir de experiências concretas, não citando o
“locus” (lugar) dessa experiência.
Isso ocorre em todas as instituições, exemplo; se assumir o comando da Polícia Federal um
sujeito preconceituoso, autoritário, virulenta, monologal, isso será a subjetividade dele. Mas
objetivamente ele vai conseguir ser assim? Acredito que não!
O senhor foi chamado a ser Ministro da Justiça no governo Temer, mas não aceitou. Qual seu
posicionamento em relação ao COAFI (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), ele
deveria ficar na pasta da Justiça ou na da Economia?
O COAFI deveria estar no Ministério da Justiça, fazendo parte desse processo maior de
depuração dos nossos costumes no campo penal.
A Constituição equilibra bem as coisas. Ela estabelece garantias penais para a proteção dos
réus, investigados, acusados, mas ela também quer um direito penal eficiente.
Eu acho que na perspectiva de um direito penal eficiente, diante de um histórico Brasileiro de
corrupção sistêmica e de improbidade administrativa solta e larga, eu deixaria o COAFI na
justiça! Mas não quero me aprofundar porque o assunto já está sendo decidido e não quero
antagonizar.
Como foi deixar o Judiciário e voltar a advocacia? Qual área mais gosta de atuar?
Com naturalidade, porque primeiro me defino como um teórico do direito mais do que
profissional!
Eu gosto mais da teoria, sempre fui um professor, escritor, estudioso, mas compatibilizo bem
essa nova fase. Eu também gosto de advogar! Aqui no escritório o meu foco é mais nos
pareceres, que é uma atividade acadêmica teórica por definição.
Eu sou um constitucionalista por definição. Eu, gosto de teoria do direito e direito
constitucional, Já fui administrativista, mas saltei para o direito constitucional.
Eu fiquei dez anos na magistratura. E quando você deixa a instituição depois de um bom
período de devoção, de inserção orgânica, trabalhando de forma entusiasmada, você sai da
instituição, mas ela não sai de você.
O Entusiasmo é Deus dentro da gente, mesmo advogando possuo aquele entusiasmo e o
instinto material de justiça da época da magistratura, continuo com aquela vertente analítica
impessoal, neutra, equidistante e isso qualifica a sua atividade e possibilita conciliar as
melhores coisas desse mundo. Conciliar meio de vida é razão de viver.
Como o senhor chegou a ser ministro? Poderia revelar detalhes da nomeação?
Essa é uma história interessante. Às vezes, o cientista acha porque procura. O cientista planeja
tudo, se predispõe a fazer as coisas. Ele escolhe o seu objeto cognoscível, escolhe a
forma/método de chegar ao objeto, então, por vezes acha porque procurou.
O artista não procura nada, mas ele acha, isso ocorre na beleza da pintura, escultura, música,
poesia e dança.
O artista acha o que quer, acha o que corresponde à natureza dele artística sem procurar
nada. Eu não procurei e achei. Nunca pensei em vir para no STF e ingressar no judiciário. Meu
pai sim, ele é juiz de carreira e tem um filho juiz de carreira. Eu não, eu sempre quis escrever,
dar aulas, sou apaixonado pela docência, eu adoro e ainda dou aulas! Costumo dizer que a sala de aula é a minha praia.
Porém, em novembro de 2002, o amigo, grande jurista e cidadão Prof. Celso Antônio Bandeira
de Mello, me ligou de São Paulo e disse: “Carlos aqui é o Celso, está sabendo das três vagas do
supremo?” respondi que estava, aí ele: “Pois é, eu e os acadêmicos aqui de São Paulo,
professores, escritores, nos reunimos para ver se conseguiríamos um nome que atendesse a
classe e eu citei você, foi uma aceitação geral. Eu estou incumbido de fazer o convite, com uma
condição, não responde nada, não fala com ninguém, apenas silêncio. Deixa tudo
por nossa conta”. Eu até perguntei o por que não ele, mas ele me falou que já tinha sessenta e
cinco anos e não queria por alguns outros motivos que ele me confidenciou ali.
Eu falei para ele que um dos cargos de Ministro do STF não se recusa, isso é viagem de alma e não de ego, é uma oportunidade única de servir ao país e ao judiciário, caso chegasse o convite eu
aceitaria, falei que se ele achava que havia condições de lutar por isso ficaria no aguardo.
Em fevereiro de 2003, lula já no poder, Celso me liga: “Carlos, acabei de sair do gabinete do
presidente Lula, na companhia de Fábio Comparato (outro grande jurista). Se prepare que tudo
faz crer que você será indicado pelo presidente Lula, tem a perspectiva de passar pelo crivo do
senado e chegar ao Supremo”. E assim aconteceu.
Eu sou uma pessoa que não tem objetivo e metas para alcançar, eu presentifico a vida. A
minha tesoura mental corta o meu cordão umbilical com o passado e com o futuro, eu gosto
do presente. Eu tenho princípios e na companhia deles, não me pergunte onde vou chegar.
Quem tem princípios vai se preocupar com a Polícia Federal, Ministério Público, COAFI,
Receite Federal, eu acho que não, mantenho um caso de amor com o meu travesseiro toda
noite. O modo mais inteligente de ser é ser honesto.
Qual a mensagem que o Senhor gostaria de transmitir aos leitores Delegados da Polícia
Federal?
Cada membro da Polícia Federal persista no seu firme propósito de servir a uma instituição
elementar, essencial, de existência necessária para o Brasil que queremos.
Neste momento cada um de nós deve dizer com sinceridade, ter a convicção e incutir no
nosso interior que o nosso amigo número um não sou eu, mas sim o Brasil. Eu sou apenas o
número dois. O Brasil merece essa inversão de prioridades.